D. António Barroso: caminhos originais de evangelização

O missionário deve levar «em uma das mãos a Cruz, símbolo augusto da paz e da fraternidade dos povos, e na outra a enxada, símbolo do trabalho abençoado por Deus. Deve ser padre e artista, pai e mestre, doutor e homem da terra; deve tão depressa pôr a sua estola, […] como empunhar a picareta para arrotear uma courela de terreno; deve tão depressa fazer uma homilia, como pensar a mão escangalhada pela explosão duma espingarda traiçoeira». Foi nesta linguagem expressiva que o Padre António Barroso, ao regressar do Congo, em 07 de Março de 1889 esboçou a figura do missionário para a África do seu tempo. A Cruz associada à enxada. A fé cristã e o desenvolvimento. A evangelização voltada para o homem integral.

Os anos que o Bispo Barroso votou à diocese do Porto foram, por circunstâncias várias, muito mediáticos, mas, apesar de menos focada, a fase missionária que  iniciou aos 25 anos, e que se estendeu por duas décadas, é, talvez, a mais interessante, até por ter decorrido na fase mais pujante da sua vida. Foi no Ultramar um missionário inovador, tanto como foi, depois, no Porto, um bispo lutador.

Era dotado de um espírito reformador: «É intenção minha reformar todos os serviços», afirmou em Meliapor, no ano em que ali chegou (1898).

Aliou a acção à reflexão, foi missionário e missiólogo. O padre António Lourenço Farinha, que foi missionário em Moçambique e historiador, entende que D. António abordou a questão missionária como ninguém até então tinha feito, e refere-se-lhe como «o maior de todos os missionários modernos». O cónego Alcântara Guerreiro, também missionário e historiador de Moçambique, escreve que «o valor da sua obra reside no espírito reformador que a anima». António Enes, jornalista, escritor e político que não carece de apresentação, elogiou-o pelas suas reformas.  E o padre Brásio, que fez o levantamento dos relatórios e de outros escritos diversos saídos da pena de D. António Barroso, bem como da mole de documentos que lhe dizem respeito, considera-o um autêntico mestre de missionários, um teorizador da acção missionária, um missiólogo. Esta faceta, menos estudada, porventura ignorada, é aquela em que D. António parece maior, mais original. Foi único entre os missionários do seu tempo, afirma ainda o padre Brásio, acrescentando que foi certamente dos melhores e maiores missiólogos do século XIX, pela forma como estudou e expôs os problemas básicos da evangelização de África.

Revisão dos métodos de trabalho missionário  

«as missões africanas estão longe de corresponder à sua grave finalidade. Há, é certo, em África, muitos baptizados, mas cristãos dignos deste nome pouquíssimos». «A África não é a Ásia nem a América; o missionário africano do século XIX não pode ser talhado nos moldes em que o foi o do XVI e XVII, na Ásia; um abismo de diferença separa os dois continentes (…) de onde provém esta diferença? Da doutrina? Não. Do missionário? Também não. Provém do meio».

Entendia que a forma de preparar operários para a messe africana, dotados de uma mentalidade nova, passaria por criar uma instituição diferente do Colégio das Missões Ultramarinas, onde se formara. Falava duma Congregação nova com membros ligados por sólidos laços de solidariedade, com o futuro assegurado em caso de doença ou de velhice e com a continuidade da obra também assegurada. É indispensável – afirmou – que o missionário que trabalha em África saiba que a sua obra não morre, que quando a faina lhe roubar a vida ou o inutilizar para o trabalho, veja chegar os que devem continuar a sua obra de paz e de progresso. Foi o precursor da Sociedade Missionária da Boa Nova, “herdeira” do Colégio das Missões Ultramarinas.

Considerava fundamental que os agentes da Missão repensassem o seu trabalho, revissem os seus métodos. Como exemplo, recorda-se o interessante conselho que dava àqueles que trabalhavam a pensar nas estatísticas: «Recomendaria muito que nunca baptizassem um indígena adulto senão in articulo mortis, ou depois de muito instruído, o que é bastante difícil. […] Que aproveita à religião e ao progresso que nesta ou naquela parte da Europa se conheça que mais um soba foi baptizado, se ele depois de receber as águas lustrais fica tão cristão na fé e na moral como um mouro? Absolutamente nada».

Planeamento e criação de Missões em pontos estratégicos

O missionário e historiador padre António Lourenço Farinha que acima citámos, afirma ainda que «O ressurgimento das Missões na Província começou verdadeiramente com D. António Barroso, o maior de todos os missionários modernos. Espírito lúcido, homem prático, habilitado com conhecimentos técnicos adquiridos na missionação do Congo, activo, virtuoso, de consciência recta, de grande alma e de grande coração, este prelado tinha todos os predicados dum apóstolo (…) Ele focou a questão missionária como ninguém até ali o tinha feito».

A partir da sua experiência no Congo, o bispo Barroso passou a prestar particulares cuidados à localização e centralização das Missões em Moçambique. Entendia que, por razões de economia e de estratégia, as Missões deviam estar organizadas a partir de uma Missão central. Esta Missão-mãe deveria localizar-se numa zona salubre e dominar uma vasta população, donde fosse possível irradiar, contactar com as povoações circundantes, com as Missões sucursais em redor.

Na escolha da localização das Missões, sempre prestou atenção às distâncias, de modo a permitirem aos padres visitarem-se e ajudarem-se mutuamente. Para evitar o isolamento, instaurou o regime de comunidades de padres e auxiliares. Com tais medidas, o espírito dos missionários mudou e a prova é que o tempo obrigatório acabou para quase todos os missionários. Até então, os missionários limitavam-se a cumprir em África o serviço mínimo obrigatório, que, por muito tempo, esteve fixado em 6 anos.

A Missão central era, em seu entender, «o lugar onde se deve preparar para o futuro um clero novo […]; o lugar onde os padres, vindos da Europa, devem ter uma aprendizagem da língua e costumes». Para evangelizar África, havia que seguir caminhos novos.

 Foi notável a lucidez e a determinação de D. António Barroso para restaurar em Angola e em Moçambique o verdadeiro sentido da missionação como evangelização das populações locais, sendo de relevar a atenção que prestava ao ensino e à formação da juventude, o humanismo com que lidava com o homem africano e com que defendia os seus direitos, o valor que atribuía à honradez e ao civismo nas relações comerciais. É notória a importância que passou a atribuir-se às Irmãs Missionárias e aos Irmãos Leigos. É notável a valorização que passou a dar-se ao clero autóctone. Neste esforço foi pioneiro entre o episcopado católico.

Carcavelos, 15 de Março de 2019

Amadeu Gomes de Araújo
(Vice-Postulador da Causa de Canonização de D. António Barroso)

Colégio das Missões Ultramarinas (1903)

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